Mãos dadas.

Dá para perdoar? Entenda Como Começar!

 

O perdão é uma espécie de botão de reiniciar que permite aos casais recomeçarem todos os dias

Acho que foi a Miriam Palma, amiga desde os tempos do cursinho, quem me contou que, dentro de dez anos, todas as fotos de nós mesmos que hoje nos parecem feias ficarão bonitas. É só uma questão de tempo para que a beleza apareça. Nosso olhar precisa mudar.

O mesmo, me parece, se aplica a algo muito mais profundo: o ressentimento e o perdão. O que hoje nos parece inaceitável, imperdoável, com o passar do tempo pode se revelar irrelevante. Nem sempre é preciso esperar dez anos. Às vezes, cinco bastam. Outras, doze meses. O essencial é que o olhar se transforme.

Falo, claro, das relações entre duas pessoas, da complexidade que existe nos casais. Imagino aqueles que se amam, que se gostam – ou que ao menos guardam a lembrança desse afeto. Essas relações, tão caras e tão próximas, só sobrevivem se o perdão for um gesto constante. Talvez seja o ato mais essencial e, ao mesmo tempo, o mais frequente de quem partilha a vida com alguém.

Perdoar é como apertar um inesgotável botão de reiniciar: ontem brigamos, dormimos de costas viradas, mas hoje recomeçamos. A conversa foi dura, a raiva veio forte, mas agora, mais calmos, que tal reiniciar? Fiz algo que te magoou, você reagiu com brutalidade, e agora? Podemos reiniciar?

Viver com alguém é conviver com frustrações diárias. Os egos se esbarram, as vulnerabilidades tornam o convívio tenso. Para que o outro nunca nos incomode, precisaria ser imensamente atento, infinitamente cuidadoso – mas então, coitado, não seria humano. Seria apenas alguém tentando nos satisfazer, e, cedo ou tarde, isso nos entediaria.

Seres humanos plenos, à vontade no mundo, disputam espaço – inclusive com aqueles que amam. As pessoas se esbarram, se batem – no sentido figurado, é claro – e é desse atrito constante que nasce a relação. Ela é feita de disputa e de colaboração, de intensidade e contradição. E é por isso que precisa desesperadamente do apaziguamento do perdão.

Somos exigentes, quase implacáveis, com aqueles que fazem parte da nossa intimidade. Amigos, colegas de trabalho, conhecidos têm uma margem de erro enorme. O ficante esporádico, o bonitão que aparece de vez em quando, esses podem errar à vontade.

Mas a namorada, o marido? Esses não podem sair um centímetro da linha. Somos intolerantes, insuportavelmente intolerantes com eles. E é exatamente por isso que o perdão se torna essencial – porque estamos julgando e condenando essas pessoas a cada minuto, de uma forma que não fazemos com mais ninguém.

Claro, às vezes as pessoas próximas nos ferem de verdade. Nos traem, nos enganam, nos desiludem. E, nesses momentos, perdoar pode parecer impossível. Mas o tempo faz o seu trabalho.

Com o afastamento, com a saudade, com as reflexões que vêm depois da tempestade, pode surgir a compreensão – desde que o orgulho e o senso moral não se interponham. É preciso ter vivido certas experiências para entender por que os outros fazem o que fazem. Quem nunca andou pelo lado errado da calçada acha que a virtude é simples. Mas não é.

Minha impressão é que, para perdoar quem nos magoou, precisamos de duas coisas: uma sólida conexão afetiva e alegria.

A conexão faz com que a dor não seja unilateral. Se estou despedaçado e a outra pessoa segue a vida sem um arranhão, não há o que perdoar – há apenas o que esquecer. Mas, quando existe um vínculo verdadeiro, a dor se espalha entre os dois. A falta se torna mútua. Quem magoou também sente a ausência, também deseja voltar. E se há saudade, se ainda há amor, por que não perdoar e reiniciar?

Outras vezes, o perdão vem não pela conexão, mas pela alegria. Quando seguimos em frente, quando experimentamos novas sensações de prazer, de carinho, de amor, a mágoa perde força. Enquanto rolamos na cama, insone de raiva, enquanto o ressentimento ainda queima, é impossível perdoar.

Mas quando a vida anda, quando encontramos motivos para sorrir de novo, aquilo que antes doía vai perdendo a importância. O ressentimento se dissolve sem que percebamos. E então, talvez, naquela próxima curva da estrada, aquela mesma pessoa, agora perdoada, reapareça – e quem sabe, nos faça feliz outra vez.

Alguém perguntará, racionalmente, qual a importância de perdoar depois de tanto tempo, quando a dor já passou e quando a chance de cruzar com a outra pessoa é cada vez menor. Eu diria que a importância é enorme.

Não se deve andar pela vida carregando mágoas desnecessárias. Quem perdoa descarrega um fardo, anda mais leve. Quem perdoa também resgata partes de si mesmo que estavam ligadas à dor do passado. Perdoar é recuperar a posse dos próprios sentimentos e memórias, libertando-se da prisão do ressentimento.

Às vezes, esse perdão silencioso pode até abrir portas. Pode trazer alguém de volta, de um jeito novo.

Uma vez, almoçando com uma amiga, falamos de uma pessoa que fora muito importante para mim. Sem perceber, comecei a falar dela com carinho, com afeto, como há muito tempo não fazia. E foi só então que notei o buraco que aquela mulher deixara na minha vida.

Dias depois, por essa porta entreaberta, entrou um sonho – o primeiro em anos sem brigas, sem mágoa, apenas com ternura e intimidade. Foi como um resgate. Como olhar para uma foto que antes me parecia horrível e, de repente, enxergar nela uma beleza que sempre esteve ali. Foram precisos quase dez anos, mas meu olhar, enfim, mudou. No lugar da dor e do ressentimento, havia apenas um suave perdão.

Texto: Ivan Martins

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